quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Natureza Morta

Sobre não querer mais bichos.

 Era uma vez 4 da manhã e eu larguei o runescape porque minha cadela estava aparentemente derrubando tudo no quintal a procura de um lugar para parir. Desci, deixei ela entrar dentro de casa e arrumei um lugar pra ela sentir as contrações em paz. Minha cadelinha é boazinha, tem cadelas que não gostam que ninguém fique perto nessas horas. Mas eu fiquei com ela, vi as contrações, como ela precisava a lamber a "pikachu" mas tava muito gordinha pra isso. Ela até subiu em cima de uma mala que tinha no chão pra fazer seu "ninho" lá, meu desespero por ela não querer sair de jeito nenhum, e meu desespero porque eu ouviria bronca, meu desespero quando eu vi a cara de desespero dela quando ela estava gravida e caindo da mala porque eu no meu desespero tive que puxar. êeeeee..

 É uma coisa bem trágica de se ver, quando chega uma contração e você praticamente vê a cara de dor dela, e de como ela fica mudando de posição, deita, estica, agacha. E então você como definitivamente tem alguma coisa ali atrás, e depois você começa a ver uma coisinha preta saindo de lá. 1,2,3 cara de dor, tadinha, tadinha. E aí finalmente sai, uma coisa toooda pretinha e pequena, da sempre aquela impressão "ain, ta morto? D:" lambe lambe lambe, tipo lambe muuuito, esse ja saiu chorando, parece mais miado. Ok, agora hora de mamar, né, mama... maaaaaaaaaaaaaamaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Peguei, tentei colocar ele no peito, mas filhotinhos pequeninos e cegos são tãaaao teimosos, se mexem muito, MUITO, a cabecinha pacpacpacpac, não para de mexer, ela tentava mamar, na orelha, no nariz, mas nada de peito, e eu lá super agoniada.

 Pelo menos as coisas estavam mais tranquilas, deu até pra pesquisar um pouco sobre nascimento de filhotes, em um lugar falava sobre enquanto a mãe estivesse tendo outro, era pra pegar os que já estavam lá e colocar num lugar separado. Peguei a tampa da caixa da Bluebox pra isso e coloquei uma toalhinha. Lilica já tinha começado a sentir contrações pro próximo então peguei o baby que não sabia mamar e botei na tampa em cima da cama, mas aí "the mother" ficou procurando o baby maravilha, então coloquei a tampa no chão só to tipo "olha aqui, garota, seu baby ta aqui" rsssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss.... rsrsrsrsrssssssssss porque o que ela fez foi se aninhar na droga da tampa que é tipo metade do tamanho dela, e eu fiquei tipo wtfffffffffffffffff sai daí peloamordeusssssssssssssssssssss, foi a mesma coisa com a mala, ela não queria sair, mas acabou saindo depois. Aí eu peguei a coisinha fofa e fiquei segurando com a mão mesmo, enquanto ela entrava em trabalho de parto novamente. Ele ficou quietinho *-* e ficou tentando mamar na minha camiseta, mas okay...

 Então veio o segundo filhotinho, esse pude ver com mais detalhes todo o processo, como ele vem envolto no saquinho, e aí ela rompe com o dente, e também a ruptura do cordão umbilical e tudo mais. Nessa até saiu alguma coisa que manchou a toalha de verde.. Bem estranho. Essa também saiu toda pretinha, com exceção de um traço branco na barriga eem outros lugares. Ela saiu fazendo um barulhinho estranho de respiração, até virei ela de cabeça pra baixo e tals, uns tres minutos depois de nascer já estava mamando, e o primeiro nada.. Aí fiquei agoniada e fui jogar.

 Por volta de umas sete, já tinham pessoas acordadas em casa, aí fui mostrar eles pra minha mãe, e quando cheguei lá, tinha outra bolinha preta saindo da pikachu. Saiu com traço branco na barriga também, fiquei preocupada com ela, ela ficava abrindo a boca, como se estivesse respirando pela boca, ou seilá, mas depois já tava mamando também. Depois disso voltei a jogar novamente, até que uma hora Lilica começou a chorar e eu fui super preocupada ver o que era, daí ela tava naquele jeito de cachorro querendo mostrar algo, e tipo na direção da cama, quando fui ver era um que tinha se enfiado debaixo da cama, tava chorando e ela não conseguia pegar, fui lá e ajudei. Aquilo me deixou com vontade chorar.

 Quando era tipo umas nove horas resolvi que ia dormir, aí passei lá pra ver como estava, daí estavam os três amontoados e ela tava tendo outro, saindo pela pata, então logo já vi que era outro sem a macha branca na barriga, o resto do corpo ainda tava lá dentro e ela já estava mexendo as patas, eu tava com sono então nem me delonguei muito em olhar pra ela e tudo mais... Subi, dormi, 3 horas da tarde fui acordada por alguém me visitando, depois desci e meu cunhado foi logo falando "voce viu que tem um sem nariz?" e aí fiquei tipo "que? como? qual? é sério?". Fiquei pensando que teria sido a segunda que ficava abrindo a boca, mas eu não tinha notado nada de diferente, mas aí ele foi lá e me mostrou. Era a quarta, tinha um deformidade na região da boca e nariz, tão bonitinha. Pensei logo em "lábio leporino" e fui ver se isso existia em cachorros, vi que sim, em um lugar dizia que era um problema meramente estrutural e em outro mostrava um cachorrinho lindo, que tinha sobrevivido porque foi alimentado por sonda.

 Olha que coisa linda!

Voltando à baby especial, não tenho certeza se é realmente caso de lábio leporino. Ela tinha uma carinha lindinha, emburradinha, parecia muito o grumpy cat, praticamente a grumpy dog, as extremidades da boca também tinham aquela puxadinha pra baixo. Meu cunhado dizia que ela não ia conseguir mamar porque se não, não conseguiria respirar. Ela não estava mamando, realmente, quando minha irmã chegou conseguiu de alguma forma fazer com que ela mamasse, ficamos até atrás de veterinário, mas de um sábado a tarde na minha cidade, não se arranja muita coisa.



 Não é porque minha irmã tinha conseguido fazer ela mamar que ia ficar tudo bem, eu fiquei meio abalada com isso, pra mim ela ia acabar não sobrevivendo, eu queria criar significado e dar muito afeto para aquela baby especial. Mas eu não queria me envolver nessa coisa de esperança, esperar coisas é uma bosta gigante, eu odeio isso, minha irmã, como não mora aqui em casa, me pediu pra ficar indo sempre lá e tentar botar ela pra mamar e eu fiquei tipo "eu não consigo" e ela "você consegue, só é tentar" e eu fiquei nao,nao,nao, e meu cunhado perguntou se eu ia deixar que ela morresse, e eu fiquei tipo "sou desistente". Eu não quero ficar nesse negócio de botar esperanças em algo, o simples ato de tentar pra mim, significaria estar esperando e eu não queria.

 Mas eu ajudava sim, claro, na medida do possível eu ia lá e tentava algo, mas eu gostava mais de agregar significado a ela, do tipo ficar olhando praquela pequena criaturinha e agregar existência, do tipo, seilá, não sei expressar o que é isso exatamente. Isso me lembra de um episódio de private practice, é meio que na mesma base, então talvez dê pra entender. S02e13, um paciente de Pete e Sam está morrendo e aí ele começa a demonstrar medo, ele não tinha mais nenhum conhecido vivo e fala "O mundo vai girar sem mim. Ninguém se lembrará que estive aqui. É como se... Eu nunca estivesse aqui" e aí Pete abraça ele e começa a falar "You were here" (Você esteve aqui) várias vezes, e continua mesmo depois que o homem morre, e Sam tem que fazer ele parar. Agregar significado, agregar existência.

 Passou o primeiro dia, a gente fazendo ela mamar e tava indo bem, até vi ela mamando por conta própria. No domingo a noite fiquei embaixo no computador, todos já tinham ido dormir. Eu estava indo com frequência tentar botar ela pra mamar, eu arranjava um jeito de colocar o peito na boca, mas ela não estava puxando, então eu apertava pra ver se pelo menos saía dentro da boca dela, mas ela tava muito molinha e sonolenta, então deixei ela dormir e fui procurar receitas de leite pra filhotinhos e lendo os comentários. Não sou uma pessoa sádica nem má com animais, eu acho que eu tava com medo e louca então meu cérebro estava coletando tragédias contadas e fazendo com que eu quisesse rir, porque uma coisa é certa, se você procurar por receitas pra filhotes recém-nascidos de animais, você não vai encontrar coisas como vida e exuberância. (mas alguns eu acho que era gente perturbada inventando terrores do que aconteceu quando os filhotes tomaram aquilo). O fato é que a geladeira aqui estava quebrada, uma receita que parecia ser não matadora de filhotes precisava de creme de leite, e aí eu fiquei com medo de abrir pra tirar só uma colher de chá e depois deixar perdendo fora da geladeira. Então foi tipo "amanhã com o auxílio de alguém".

 Decidi ir dormir, então onde eles estavam só pra dar uma olhada e ver se a baby tava respirando, uma mera checagem, simples do tipo "mm, ok, here i go", hahahaha, que piada, a essa altura é tão previsível. Claro, cheguei lá, olhei atentamente pra ver se a barriga se mexia, pega, olha, chora. Aí eu fui pra sala, e fiquei lá com ela, em algum momento Lilica veio, não sei se pela ausência de silêncio no meu choro ou por sentir falta do filhote, eu não sei o que cachorros fazem quando o bebê já não é mais recém nascido e morre, ainda come? Seilá, eu não queria saber, e também não queria soltar dela, então escondi ela com as mãos enquanto lilica olhava curiosa, depois ela foi e eu fiquei lá. Depois eu vi uma barata passar e não sabia o que eu fazia com o corpo, deixar na caminha com a mãe e aquela coisa imunda fazer uma visita ou seila.

 Eu queria recordação então deixei ela no braço do sofá, tão imóvel, tão pequenininha e pretinha, parecia um pequeno morcego. Tirei foto de detalhes, das manchinhas brancas, marrons, dos olhinhos fechados, olhinhos que nunca se abririam. Foi um puta momento ruim, ta ligado o que é segurar algo que não tem mais vida nas mãos. Mas seila, primeiro é mais torpor, o peso concreto da morte evidente só cai depois, não que não aja sofrimento antes, é mais uma questão de percepção perante aquele corpo. Que nem quando minha prima faleceu, saber, velório, etc, tudo isso é momento de choro e sofrimento, mas o momento que eu comecei a chorar de repente e loucamente foi na hora que fecharam o caixão pra botar no carro funerário. É tipo a prova, a realidade, o "acabou." "a ultima vez que vejo minha prima", o peso da realidade. No caso da cachorrinha foi mais quando eu vi a língua sem cor, quando eu apertei onde estaria o coração, quando eu meio que sacudi ela, e também com aquela insistente pergunta do "o que eu vou fazer com o corpo?" porque todos estavam dormindo, e onde eu ia deixar ela?

 Mas aí a noção de acabou já havia chegado, então fui, subi as escadas com ela no colo, é só bater na porta e perguntar "o que eu faço com o corpo?" hahahaha, vamos todos rir, como se eu realmente fosse conseguir a proeza de falar pela primeira vez depois disso com coerência. Aí eu bati, meu pai veio abrir a porta, acordando minha mãe que veio desesperada ver o que tinha acontecido (típico de pais acordados de madrugada) e então foi. Minha mãe ficou querendo chorar, meu pai pegou ela e levou pra seila onde, colocar num saco pra enterrar em outro lugar no dia seguinte ou seila. Minha mae queria que eu dormisse no quarto deles por causa de como eu estava, mas eu sou do tipo que precisa ficar sozinha. Fui tomar banho porque eu não gosto de morte (isso me lembra uma vez num passeio da escola que a gente ia visitar um cemitério bizantino e fiquei tipo ...., era tipo 10hrs da manha, mas com todas as atividades, a gente só ia voltar pra pousada lá pra umas 4horas da tarde, se eu fiquei morrendo, sim ou claro). Depois é ficar deitada chorando, eu simplesmente odeio a visualização de onde ela estava e de onde ela iria. Eu odeio decomposição, no sentido técnico da coisa, (só dizendo porque "blablablabla, ja pensou se decomposição não existisse blablablabla pense duas vezes blablablabla" aff). Eu quero muito ser cremada, eu não suporto a ideia de ser jogada debaixo da terra e virar alimento e arghhhhhh arghhhhhhhhh, eu odeio esse fim, odeio.

 Então é, logo no começo eu até idealizei postar no blog o desenvolvimento dela e toda aquela coisa feliz, mas, oh, ops.

 Perdi dois bichos esse ano, fiquei com vontade de arranjar alguém pra dar meu mini coelho e de nunca mais ter bichos. Não vou dar meu mini coelho, seria maldade.